Como dois jovens imigrantes foram usados para dar uma mãozinha à insaciável
indústria bélica dos EUA
Eles tiraram o sono de 314 milhões de norte-americanos
Imigrantes e muçulmanos, os irmãos Tzanaiev assombraram os EUA
Uma população com os nervos à flor da pele. Insegura, como se sujeita a "vingadores" secretos, escondidos em sua própria vizinhança. Ou então um povo manipulado cientificamente pelos meios de comunicação a serviço do complexo industrial-militar.
Essas são algumas ilações que podemos tirar desse episódio espetacularizado
que teve Boston como cenário principal e serviu a muitos interesses. Mais do
que os percebidos na superfície das informações e que não se resumem exclusivamente
a uma pressão contra a proposta de flexibilização das leis de imigração.
200 milhões de armas
e o massacre de Newtown
Há uma indústria armamentista que tem no povo dos Estados
Unidos o seu centenário e sempre crescente mercado de varejo. São 200 milhões
de pistolas e fuzis em poder de 107 milhões (34% da população) de assustados cidadãos
norte-americanos, segundo estimativas oficiais. Mais de 300 indústrias produzem
esse arsenal nesse país que cultiva a supremacia e a condição de
"xerife" do mundo.
Uma semana antes das duas bombas de Boston, o presidente
Barack Obama, em discurso na Universidade de Hartford, Connecticut, reiterou
sua disposição de levar adiante a promessa de patrocinar uma lei federal sobre
controle da venda e porte de armas, lembrando Newtown, cidade daquele Estado
onde 20 crianças e 6 adultos, inclusive a própria mãe, foram executados por Adam
Lanza, um americano da gema de 20 anos, no dia 14 de dezembro passado.
O impacto desse massacre levou Obama a se posicionar, em
lágrimas, contra o poderoso lobby da indústria bélica dos EUA, em meio a uma
grande consternação.
Os acontecimentos de Boston não podem ser separados de toda
essa sequência. Só em 2012, outros dois morticínios com as mesmas
características foram registrados nos EUA, o país cujo orçamento militar de U$
607 bilhões é maior do que os dos outros 9 do topo somados. Em abril, um atirador matou 7 jovens e feriu
3 na Universidade Cristã de Oakland, e em julho, um homem mascarado matou
12 pessoas na pré-estréia do filme "Batman
- O cavaleiro das trevas ressurge”, no Colorado.
Indústria bélica poderosa vive do medo
E não podem por que a
maior tragédia que pode acontecer à sua economia viciada é reduzir gastos
bélicos. Foi o que disseram Robert Gates, ex-secretário de Defesa até 2011, e o
almirante Michel Mullen, ex-chefe do Estado Maior conjunto, quando o Congresso
norte-americano debatia em setembro passado uma redução de U$ 55 bilhões no
orçamento dessa área para o ano fiscal de 2013, num corte total de U$ 500
bilhões como primeira providência para enfrentar o insustentável déficit orçamentário.
Tanto Gates como Mullen falaram em nome dos interesses do
poderoso complexo industrial-militar, que, junto com o sistema financeiro,
integra o vértice do poder no país e não admite perder sequer uma pequena
fração da sua receita. Ambos ressaltaram que os cortes seriam “devastadores e
deixariam uma força (militar) oca”, incapaz de responder às ameaças à segurança
nacional.
A voracidade orçamentária do complexo de segurança estadunidense
é de tal monta que o corte pretendido para 2013 apenas faria o orçamento militar
recuar aos níveis de 2007. Ademais, tais números se referem somente ao
orçamento direto do Departamento de Defesa, que representa uma fração do
montante de recursos destinados ao complexo como um todo.
De fato, como comentou Dave Lindorff, um premiado jornalista
investigativo, na prática, a os custos de guerra representam 50% de todo o
orçamento norte-americano. "No ano fiscal de 2012, além de um total de UJ$
673 bilhões de dólares para o Pentágono, somam-se mais outros U$ 166 bilhões
para atividades militares de outros departamentos governamentais, como o
programa de armas nucleares, grande parte do qual é manejado pelo Departamento
de Energia, ou o Programa de Veteranos, que paga a assistência e os benefícios
do pessoal militar da reserva. Há também cerca de U$ 440 bilhões em juros pagos
sobre as dívidas de guerras e gastos militares anteriores. Tudo junto chega a
1,3 trilhão de dólares, que representam quase 50% do orçamento geral dos
EUA".
Uma "ameaça" espetacularizada sob medida
No caso desse escândalo internacionalizado pelas duas bombas
de Boston, pode-se chegar a uma variedade de conclusões. Não é paranóia nem
idéia fixa de um adepto da "teoria da conspiração" imaginar uma
grande farsa para reacender nos nervosos norte-americanos o apego pelas armas e
pela indústria bélica.
No entanto, os acusadores dos dois jovens chechenos vão ter
que suar a camisa para encontrar um motivo para que eles se metessem nessa
roubada. O mais velho já foi silenciado pelas balas dos seus caçadores. O
outro, de 19 anos, pode sobreviver ou não.
Mas o que os tornaria perigosos terroristas, alvos da mais
gigantesca caçada humana já realizada nos últimos tempos naquele país, com
direito a uma grandiosa cobertura cinematográfica via satélite para todo o
mundo? Pinçá-los como suspeitos está dentro do manual de segurança do FBI, CIA
e assemelhados.
São muçulmanos e os muçulmanos são pintados hoje como eram
até bem pouco os comunistas chineses e russos, no imaginário dos 314 milhões de
norte-americanos: segundo a lenda, são aqueles cujo orgasmo mais pleno decorre
do comprometimento com uma "guerra
santa sanguinária".
Seriam tão monstruosos que prenderam em casa por dois dias os 5 milhões e 800 mil habitantes da região metropolitana de Boston,
a cidade onde nasceram o dólar e o primeiro sistema de metrô dos EUA. Contra os
irmãos Tsarnaev exibiram a tecnologia de última geração da indústria bélica e milhares
de homens armados até os dentes, permitindo-se aos cidadãos conhecerem os
avanços nessa área e entenderem por que
o ex-chefe do Pentágono não queria o corte de um único centavo dos gastos
bélicos do país.
Graças a esse evento protagonizado por dois chechenos, que
deu ibope no mundo inteiro, onde a grande mídia está em mãos de robôs
repetidores sem qualquer critério crítico, vai ser mais difícil pensar lá em limitar
as armas nas mãos dos civis e em mexer nos interesses insaciáveis do intocável
complexo de "segurança nacional". De quebra, ainda será possível
evitar o reconhecimento de cidadania aos milhões de imigrantes que são mais
interessantes como escravos modernos, "clandestinos" baratos aptos a
prestarem todo tipo de serviço por uma meia pataca.
Como aqueles dois, podem existir outros quatro ou cinco,
suficientes para ameaçar a segurança nacional e a integridade física de cada
cidadão dos Estados Unidos da América.
É o que reza a lenda de bem escorado suporte midiático.