É bom
que os vencedores não percam a tranquilidade: pior do que não saber perder é não
saber ganhar
Para entender o Brasil que sai das eleições
municipais deste ano faz-se necessário procurar varar o cipoal de jargões e os
conclusões superficiais reproduzidos por uma mídia míope, que tanto poderia
estar falando da copa de futebol ou do concurso de misses, como da manifestação
das urnas, quando só se preocupa na exposição dos resultados com os projetos
pessoais dos que já estão de olho nas eleições maiores de presidente,
governadores, senadores e deputados.
Tudo que se apresenta à primeira vista é a
decodificação da sopa de letrinhas que fala de siglas dos candidatos, sem sequer
enunciar o que cada legenda quer dizer. Por que de fato já não se pode falar de
diferenças entre siglas sonoras, mas vazias de conteúdos.
Poucos sequer se dão conta de que na essência a
política brasileira é expressão de um
partido único - o partido da classe política - subdividido em ramais
identificados por legendas que podem
estar acolhendo quem antes lhes apedrejava.
Assim, tudo o que se fala é na divisão dos poderes
locais, na feira de legendas cada vez mais clonadas.
Tudo
que se quer é controlar a máquina pública
Dizer que esse ou aquele partido aumentou seus
tentáculos é falar tão somente em quem conquistou essa ou aquela máquina
pública. O primeiro comentário que se faz expõe tão somente a dança das cadeiras
das siglas. Mas não alcança o recado dos eleitores que, ao contrário das
eleições de vereador, tendem a refletir algum grau de exigência
política.
Os confrontos locais se dão como expressões de
acordos pontuais, que abstraem conflitos a nível nacional, até porque também as
coligações instaladas em todos os níveis de
governos e nas oposições não têm nada de programáticas. Resultam exclusivamente de acordos para o
loteamento das administrações.
Barômetro das urnas sinaliza ares de
mudança
Mas embutido nas urnas, por menos políticos que
pareçam, há um barômetro de sentimentos pedindo mudanças. Pode-se dizer que
permeia os votos vitoriosos o desejo de
algo diferente, do novo, de uma melhor
abordagem das políticas públicas, maior sensibilidade social e eficiência
administrativa.
Há que se admitir, porém, que em muitos casos serviram aos eleitores
produtos de ocasião, devidamente construídos por marqueteiros, profissionais
altamente capazes, por serem frios e calculistas.
Estes não só pesaram nas tarefas de construção, como
também foram exímios na desconstrução
dos adversários, de tal sorte que em algumas cidades, como São Paulo, independente dos méritos do galã Fernando
Haddad e do seu padrinho, o fator que mais lhe favoreceu foi a rejeição do
adversário José Serra, um político que entrou na disputa com a ilusão de que
seria imbatível por exibir maior currículo.
Esses marqueteiros, porém, tendem a trabalhar numa
lógica objetiva, desprezando o psiquismo das massas. São Paulo, onde a imposição
do nome do ex-ministro da Educação foi entendida apenas como um delírio do
ex-presidente Lula, mostrou que o excesso de munição pode se voltar contra o
atirador.
Muita
munição pode sair pela culatra
Durante muito tempo, até o resultado apertado do
primeiro turno, dizia-se que o candidato petista seria abatido pelo julgamento
dos seus correligionários no STF, alguns já condenados num bárbaro linchamento -
em função do qual os dois mais visados do PT - Dirceu e Genuíno - quase não
conseguiram depositar seus votos.
Curiosamente, ouso dizer que a mega-produção
midiática montada em torno do julgamento acabou produzindo um reação oposta da
massa, favorecendo Haddad.
É sempre assim.
Aos olhos da povo prevaleceu a leitura de que aqueles réus estavam
servindo de bodes expiatórias segundo um ritual de cartas marcadas. Antes do que ocorreu no "mensalão" do PT, o
PSDB já havia recorrido aos mesmos expedientes em Minas Gerais, com o mesmo
Marcos Valério operando. Embora as investigações a respeito estejam concluídas
há muito tempo, não há previsão de ir a
julgamento. Como também não há no documentado esquema de corrupção, devidamente
filmado, que custou o mandato do governador José Roberto Arruda, do DEM em
Brasília.
Cérebro
das massas tem razões que a própria razão
desconhece
Fatos periféricos nunca são considerados para o
entendimento do psiquismo das massas. Emblemática é a posição dos cidadãos em
relação aos camelôs. Reclamam da
ocupação das ruas e pedem providências. Mas quando a Guarda Municipal usa
de inevitável rigor, a massa fica
imediatamente contra ela e sai em defesa dos informais, entrincheirados para
desafiar as autoridades.
Numa democracia em que heróis passam a vilões e
vilões a heróis num piscar d'olhos, em que os políticos viram a casaca segundo
suas conveniências, o voto eventualmente crítico também tende a ser volátil e
pode evaporar-se depois de depositado na urna.
Daí a descontinuidade do ganho eventual, passageiro e fortuito.
Só haveria uma forma de dar consistência e
continuidade à manifestação de um pleito - se
os partidos tomassem tino e montassem sistemas de formação de sues
filiados, tivessem vida orgânica e
ultrapassassem os vícios cartoriais, em função dos quais é muito comum um
candidato ter menos votos numa eleição do que o número de eleitores fichados em
sua agremiação.
Agora é
que o bicho pega - está aberta a temporada dos
conchavos
Definidos os vitoriosos, começa a barra pesada do
processo - as negociações nada republicanas para garantir maiorias nas câmaras
municipais e atrair partidos para o condomínio do poder.
Em São Paulo já se prevê que o prefeito Gilberto
Kassab, aliado passional de Serra, desembarque amanhã mesmo com os 17 vereadores
eleitos à sua sombra para ajudar a compor uma maioria folgada, expediente
responsável pelo avassalamento dos legislativos em todas as
esferas.
Pode ser que aqui e ali alguém ouse romper com o
ciclo vicioso dos conchavos. Mas a história aconselha a fazer exatamente o
contrário. Quanto mais aliados
arrebanhar, independente do preço pago, mais seguro fica para blindar seu
governo de questionamentos e garantir sua reeleição ou a permanência do seu
grupo no Executivo.
É o velho clichê do "dá lá - toma cá", marca indelével de
nossas práticas, até mesmo no tempo da ditadura, que celebrizou o "franciscano" Roberto Cardoso Alves. Os
generais tudo podiam, mas precisavam
manter as aparências de um congresso em funcionamento para consumo
externo.
Estas são
minhas primeiras anotações. Vamos
debatê-las ou o verão de praias ensolaradas motiva mais e pede atenção
exclusiva?